Um dedo de prosa com Ele
E de repente recebemos um áudio pelo WhatsApp, com um sussurro
baixinho como se estivesse escondendo da sua família, mas lá do fundo do
coração, chegou até nós, igual a um pedido de socorro, da nossa neta mais nova:
“mas eu tô com muita saudade de todo mundo”, simplesmente isso. Nós
escutamos e em ambos uma lágrima escorreu por nossos olhos, cada um disfarçou à
sua maneira e tentamos acreditar que tudo vai passar.
Sabe Deus, você sabe que nossa relação sempre foi franca,
aberta, sem intermediários e, principalmente sem frescuras. Mas você não acha
que está passando um pouco da conta agora? Sei que a humanidade estava
precisando de um corretivo pelos seus desatinos, pelas suas desigualdades, pela
falta de empatia, por seu insano e voraz apetite de consumo, mas, nesse seu remédio,
você incluiu a todos sem distinção e colocou na mira das consequências,
principalmente os mais vulneráveis, os mais necessitados, os mais carentes. Tô
achando que você está sendo injusto.
Mas voltando aos meus, há muito tempo atrás, num dos meus
escritos, eu falava do meu relacionamento com a outra neta em que citava “quando
vai dormir, exige que eu vá ao pé da escada, no degrau certo, então me dá um
abraço, um beijo e diz boa noite......porém, o problema é que os degraus estão
acabando e eu não sei direito brincar de gente grande”. Pois é, exatamente
isto está acontecendo agora, tenho medo dela sair desta pandemia crescida,
responsável e não vai mais rir das minhas brincadeiras sem graça, nem vai me
ajudar nas minhas receitas, nem pensará em ir conosco para o rancho onde tem
todo tipo de atração para crianças....
Mesmo nessa loucura em que estamos metidos hoje, ela longe da
escola, espiando pela tela do notebook as aulas de seus professores, eu sei que
poderia ajuda-la, estudarmos juntos, mas nem isso podemos fazer. Só nos restou
nos vermos pelas telas dos celulares em conversas online, nos encontrarmos a
uma certa distância um do outro, todos fantasiados de mascarados. Pense bem no
aniversário da avó dela, dias atrás, sentamo-nos para comemorar em duas mesas
distantes ao ar livre, com talheres todos separados e cantamos um “Parabéns pra
você” forte, alegre e fingindo que a falta de um abraço não nos tínhamos abalado,
que estávamos ali para mostrar que não vão ser estes percalços que você nos
impingiu, nos fará sair mais fortes, mais responsáveis, com mais empatia, mais
iguais, mais simples.
Sabe Deus, eu quero acreditar que isto fugiu até do seu
controle, você nem imaginava que o mundo estivesse precisando de um remédio tão
forte e numa dose tão grande. Um abraço
Sérgio Lordello
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