Um amigo chamado Zé


       Na verdade nossos caminhos só se cruzaram na segunda série ginasial (hoje 6° série), depois de nossa passagem frustrada por uma escola da elite da cidade. Nos encontramos no Trajano, ele era uma pessoa muito simples, filho de um motorista e dona de casa, era ruivo, usava óculos com a lente esverdeada, alto, magro e, se fosse nos dias atuais, sofreria bullying severo dos companheiros de classe. Mas nós dois nos demos muito bem, desde sempre, estudávamos juntos, almoçávamos juntos, frequentávamos as casas nossas.

       Seus pais sempre lhe aconselharam a conhecer ambientes que lhe ajudassem em seu desenvolvimento e talvez, por meus pais serem professores, na época que professor era autoridade, ele conversava com eles, lia o Estadão lá em casa, fuçava na nossa biblioteca, vasculhando livros. Com nossos quatorze anos fizemos uma revolução na escola, com total apoio do nosso diretor, programamos inúmeras excursões para lugares interessantes com os colegas e monitorados por professores, mas éramos nós dois que organizávamos, entravamos em contato com os locais, contratávamos ônibus, recolhíamos o dinheiro, pagávamos. Foram inúmeras, e a parceria funcionava pois eu me atirava na frente, divulgando, pedindo, e ele controlava, cuidava das finanças.

       Na primeira delas, fomos visitar a Bosch em Campinas. Fomos recebidos por um diretor, sr. Martin, alemão da gema, que nos acompanhou em toda a fábrica, inclusive no almoço no restaurante da fábrica, onde foi servido frango no molho. Diante de toda aquela molecada inibida em comer com garfo e faca, o anfitrião foi o primeiro a pegar com as mão os pedaços, deixando todos muito à vontade. Ele ficou encantado com tanta organização, máquinas modernas, funcionários trabalhando em conjunto e neste mesmo dia, meu amigo Zé decidiu que iria trabalhar naquela empresa, que seria a partir daquela hora a sua meta de vida.

       Depois entramos no Cotil onde cursamos Mecânica juntos, mesmo estudando muito pois a escola era muito exigente, ainda realizamos uma das nossas, no último ano, organizamos o primeiro Baile dos Bichos da história da escola, no Nosso Clube, com conjunto, pompa e estilo. Foi importante para nós assinarmos contrato com Osvaldo Salibe em tão tenra idade, batalharmos para a venda de ingressos, a preocupação com as contas, mas tudo deu certo e com o lucro, fizemos a confraternização de formatura de nossa turma.  
Daí, formados, fomos em busca de nossos lugares no mundo, ele insistente e determinado, enfrentou um sem número de candidatos mas garantiu a vaga de estagiário na Robert Bosch do Brasil. Terminado o estágio, foi contratado pela empresa e fez uma carreira sólida e solo por toda sua vida profissional, teve oportunidade de conhecer a sede da Bosch na Alemanha e nas outras plantas aqui no Brasil. Mesmo depois de aposentado, foi inúmeras vezes contratado como consultor pela empresa para opinar sobre problemas, buscar soluções.

Já aposentado, foi um daqueles que caiu no golpe da Encol, com um pseudo apartamento em Limeira, o Residencial Di Nizo, mas não se conformou, tratou logo de conversar com mais alguns logrados também e montaram uma força tarefa para tentar os meios jurídicos, legais para assumirem a propriedade e a posse da obra. Conhecendo a sua obstinação, foi pessoa fundamental para dar continuidade às obras do edifício, sua conclusão e entrega das unidades aos seus respectivos proprietários.

Mas não é só de coisas sérias que ele gosta, tem uma paixão inusitada pelos The Beatles, desde a nossa juventude. Naquela época tinha fitas cassetes com todas as músicas deles, escrevia e traduzia todas elas num caderno onde aprendeu perfeitamente o inglês sendo um dos bons alunos da dona Maria Isabel no Cotil. Já adulto, junto com dois amigos esteve em Liverpool onde conheceu The Cavern Club, a Strawberry Field, Abbey Road e muitos mais. Conhece todas as histórias das músicas da banda de Liverpool.

Meses atrás realizamos, (ele, William Lussier e eu) um encontro das primeiras turmas do Cotil formadas perto de 50 anos atrás. Foi magnifica com o Baiano correndo atrás dos ex-alunos perdidos por esse Brasil afora, eu cuidando de toda a festa em si e ele, meu amigo chamado Zé, controlando as finanças, os detalhes, pagando, recebendo.


Tributo a José Antônio Bueno da Silva, o “cara” !!!!

Sérgio Lordello

Comentários

Unknown disse…
"A gente se faz através das pessoas que fazem a gente" Em 1966 Deus pôs o Amigo Sérgio em meu caminho! Gratidão! Amigo Zé

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