Minha sogra
Nem sempre as relações entre genro e sogra são explosivas como
tanto se apregoa por aí. Posso jurar que nunca carreguei a fotografia dela na
minha carteira, mas até que nos dávamos relativamente bem. Desde o início do
namoro, mais de quarenta anos atrás, ela ficava sempre de olho em nós, não dava
folga, sempre vigilante, todo sábado à tarde o namoro era na sala da sua casa,
segurando vela, assistindo televisão. Mas sempre lá pelas cinco horas, ela dava
uma folguinha, indo ao mercado próximo buscar pão, demorava um pouquinho e na
volta, antes de entrar, passava os dedos na veneziana da janela para avisar que
estava chegando.
Minha primeira “desavença” com ela aconteceu quando inventamos
todos de ir para a praia, sogro, sogra, crianças, sobrinhos, no tempo em que
era necessário levar desde fósforo, papel higiênico e, lógico, um milhão de
cervejas. O carro ia estufado de tanta coisa, geralmente era preciso descartar
algumas na hora de montá-lo. Ela no entanto adorava melancia e queria levar
uma, daquelas que se comprava apenas no dia de finados, enorme. Ela colocava,
eu tirava: punha de novo, eu sacava, até que numa bobeada minha, ao chegarmos
no destino, lá estava a “maldita” fruta.
Sempre brincalhona, era de sentar no chão e fazer bolas de
chicletes junto aos netos. Há pouco tempo, com a saúde debilitada, necessitando
do apoio de cuidadoras, fez para mim uma previsão “tétrica” de que iria viver
até os cem anos de idade só para poder gastar toda a “minha herança”. E quando
me aposentei então, com tanto tempo disponível, passei a ir ao rancho todo meio
de semana onde ficava de 2 a 3 dias, pois ela sempre me questionava o que ia
fazer no meio do mato sozinho, no fim do mundo.
Para a Solange ela argumentava, apimentando o fato: “Aí tem coisa, deve
haver algum rabo de saia nesta história, melhor dar uma incerta lá”.
Mês passado, minha filha, sua última neta, casou-se. Quando
soube, mesmo atrelada a uma cadeira de rodas, após uma fratura no fêmur, passou
a se empenhar na fisioterapia se negando a comparecer à cerimônia com o
equipamento, até levou um pequeno tombo ensaiando os passos sozinha. No dia,
mesmo não conseguindo o seu intento, ficou encantada com o ritual todo, sentou-se
na mesa da família e curtiu a festa. Na hora do corte da gravata, perguntada se
participaria, do alto da autoridade de seus 94 anos, decretou que queria cortar
um pedaço da cueca do noivo: vontade atendida e reverenciada. Já no meio da
festa, quando sentei-me ao seu lado, perguntou-me: “Sérgio, onde você arrumou
tanto homem bonito assim para a festa”.
No dia seguinte confidenciou que nunca tinha ido a um
casamento tão bonito e que agora poderia morrer tranquila. E não é que no
sábado passado ela cumpriu de verdade a sua premonição. Fique com Deus sogra.
Sérgio Lordello
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