O incentivo que faltava
O sinal de alerta soou quando o médico pegou nas mãos os meus
exames com resultados escandalosamente ruins e disse: - “Estou muito preocupado
com o seu prazo de validade, se não tomar uma atitude séria em mudar de vida,
não sei não”. Lógico que eu sabia disso, envelhescente, obeso, vida sedentária,
apaixonado por uma cervejinha com os amigos, apreciador de churrascos, sentia
cada vez mais a dificuldade em vestir uma meia, subir uma escada, podar alguma
arvorezinha no rancho. Mas como sair daquela inércia e passar a caminhar todas
as manhãs, adotar uma dieta espartana, abandonar um pouco o automóvel? Como?
Depender da turma do barzão, impossível o apoio, pois nem nas
passeatas do impeachment o pessoal foi, preferiram assistir pelas redes
sociais. Então, como Sísifo empurrando a pedra no alto da montanha, passei a
fazer caminhadas diárias no Parque Cidade como um pesadelo interminável.
Implorava para estar chovendo (nossa desculpa para não ir), sentia dores
imaginárias para fugir à responsabilidade, Nos feriados, quando apenas um
portão é aberto, nunca encontrava-o e voltava para casa.
Então, num domingo, lá estava eu, como um masoquista, me
lamuriando pelo triste destino de ter que fazer tudo o que não gosto, andando
pelas alamedas do Parque, quando uma turma de mulheres “fitness”,
escandalosamente saudáveis, passaram correndo por mim, umas trinta, e,
obviamente, me provocando falta de ar, até passar também a professora, daí
então a palpitação me fez procurar um banco para sentar, agua para beber. Como
disse Mário Prata (cronista), nós envelhescentes, assim como os adolescentes,
adoramos ver mulheres mais novas, mas diferente deles, apenas para olhar mesmo,
pois o tempo é implacável.
Depois conversando com outros frequentadores, soube que muita
gente vai lá apenas por causa da professora e sua turma. Podem cabular o
exercício nos outros dias da semana mas no domingo, chova ou faça sol, frio ou
calor, sempre comparecem. Soube também que o Beto e o Marcelo tentaram se
matricular na turma dela e obviamente foram recusados pois é uma classe apenas
feminina, tipo “homem não entra”, mas só por curiosidade ela lhes perguntou que
tipo de exercícios seria importante para os mesmos e eles responderam na maior cara
de pau:- “Nenhum, apenas queremos ficar sentados num canto vendo você comandar
suas pupilas”.
Mas pior aconteceu com um secretário do prefeito que
eventualmente faz caminhadas lá aos domingos: sempre zeloso, fica anotando
pequenos problemas do local para cobrar dos responsáveis, e num dia deparou com
o som vindo do carro da personal, tirou fotos, anotou dados até as alunas o questionarem
sobre o problema. Então nós ficamos sabendo do “embaraço” causado a ela, já o
cercamos e lhe demos um ultimato: - “Você pode questionar o que quiser aqui mas
não mexa com a nossa musa”.
Atualmente, depois de perder alguns quilos, estar em forma,
melhorar meus índices médicos, com qualquer tempo, lá estou, feliz da vida,
fazendo caminhadas e esperando o domingo chegar para reverenciar ao “incentivo
que faltava”. E toda a turma do Barzão passou agora a se exercitar também.
Sérgio Lordello
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