No dia do juízo final


       - O senhor tem aqui anotada uma armação sua contra um amigo, na juventude, na disputa por uma jovem?
       Sabe Deus, não foi bem assim, foi um acidente de percurso. Nós morávamos juntos no tempo de faculdade, ambos havíamos estudado nos mesmos anos no Cotil, participávamos das mesmas festas e bailes do Limeira Clube, até viajamos juntos para acampar em Salvador numa férias. Mas naquele dia foi ele que insistiu em me levar junto para conhecer uma menina que estava paquerando e nem tinham ainda nenhum compromisso. Entramos na casa dela, sob olhares nada amistosos dos pais e fomos para uma área nos fundos. Ela era alta, olho grande, cabelo ruivo natural, novinha ainda, usava uma saia justa e curta que pronunciavam ainda mais as suas belas pernas roliças.


       Bastou apenas uma troca de olhares, ainda não sei se foi somente pelos seus dotes físicos, pelo papo fluído de suas conversas, pelo jeito meigo de nos dar atenção, mas ali eu tomei uma decisão: ela seria a mulher com quem iria me casar. Lógico que refleti também pela forma de pensar do Senhor, tentei me afastar daquela “tentação”, apostei na distância para esquecer aquela intenção, tudo em respeito ao meu amigo, até que fui a um baile do Nosso Clube, vestido de terno preto e gravata borboleta, certo em pedir outra garota em namoro. Mas naquele dia, justo naquele dia, ele mais uma vez deu um “bolo” nela, então, de repente, eu a vi, no meio do salão, linda, com um vestido longo, aqueles olhos bonitos, cabelo arrumado, sorriso largo. Senhor, depois daquela aparição, não teve mais jeito, saímos de lá de mãos dadas e compromissados, até um beijo furtivo rolou no caminho de volta.

       Sei que talvez tenha sido pecado, mas quem sabe o Senhor pode considerá-lo apenas um pecado venial (aqules que são perdoáveis sem a necessidade do sacramento da confissão), principalmente pelos atenuantes que passo a Lhe relatar e aos membros do juri celestial para que, quem sabe, possam relevar a minha condenação ao inferno e trocá-la por uma pena alternativa mais branda: estamos juntos desde aquele dia até hoje, quando o Senhor me chamou, está certo que já rolaram brigas, discussões, vontades de desistir, contudo a gente sempre faz um balanço de tudo e nos momentos importantes, significativos, sempre pudemos contar um com o outro; seguindo o Seu conselho em Gênesis 9 esta relação produziu frutos importantes: primeiro as filhas que deram um sentido admirável em nossas vidas ao vê-las encontrarem os seus lugares carregando os nossos princípios que são os mesmos do Senhor; depois apareceram as netas, que trouxeram a pureza e a candura para as nossas vidas.

       Mas eu quero Lhe dizer uma coisa que considero muito importante: mesmo que eu seja condenado dentro da sabedoria divina, quero reafirmar que, se preciso fosse, faria tudo novamente, da mesma forma, não recuaria um milímetro e não me arrependeria um minuto da minha conduta, pois até o meu amigo compreendeu a importância daquela mulher na minha vida. No entanto, estou pronto a respeitar a Sua decisão final.



Sérgio Lordello


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