Reencontro com nós mesmos



       Um passeio sem muitas pretensões, ali pelo litoral norte, agora só nos dois, pois a molecada cresceu, estão dando duro para encontrar os seus lugares, as netas “presas” nas escolas, cumprindo com suas obrigações. Então só nos restou irmos sozinhos pelos mesmos lugares em que, todo ano, seguidamente, reuníamos a nossa família, as de alguns amigos, parentes e alugávamos uma casa na região para passarmos a virada do ano, uns dez dias juntos.

       Era uma festa, pois além dos nossos, sempre iam os filhos deles, um ou outro convidado, conhecidos que eventualmente faziam o mesmo na mesma praia, ou outra próxima. Foram tempos de muita alegria, bagunça, amizade, bebedeira. Dividíamos, além das despesas, experiências de vida, a adoção de todas as crianças como se fossem filhos nossos, nas conversas, nas brincadeiras, nas reprimendas, nos cuidados, no zelo. Tempos felizes divididos entre os personagens daquela época.

       Agora sozinhos, numa pousada, comendo em restaurantes ou cantinas, bebendo nas barracas das praias, de repente passamos na frente de uma das casas de outrora e logo veio a lembrança do Joca, Paulo, e eu, nos dispondo a dar uma folga para as mulheres na cozinha e fizemos um peixe frito, mas para empanarmos os mesmos usamos uma mistura de farinha com fermento em pó. O quitute ficou apetitoso, frito, enorme, maravilhoso, mas na primeira garfada o mesmo murchava de fazer dó. Nós dois rimos, agora, ambos sozinhos. 

       Outra praia e já nos veio à mente um meu aniversário, amigos convidados que por lá estavam, primeiro dia do ano e, após farta comemoração, o Norival jogava truco com a molecada, quando lancei mão de um extintor e o despejei sobre eles e a mesa, deixando-os inteiramente brancos. Nesta mesma praia, que na época era extremamente deserta, recordamos de uma passagem de ano em que temíamos que as crianças não veriam uma queima de fogos dos anos anteriores. Na dureza em que estávamos, fizemos uma vaquinha parca e compramos alguns rojões para não passar em branco. Na passagem, qual não foi a nossa surpresa em assistir que um mato-grossense, para agradecer uma ajuda divina, fez a maior queima que vimos ao vivo em nossas vidas.

       O duro era segurar a fome do Beto na hora das refeições. Nervoso, neurastênico, mal-humorado, sempre com a desculpa de que as crianças é que estavam com fome, nos fazia adiantar o almoço, mas quem era o primeiro e único a sentar na mesa, o próprio. O Joca era nosso “guarda-costas”, sempre de calças compridas, mesmo na praia, posicionava-se num ponto estratégico, não perdia de vista nenhuma das crianças e ai de algum marmanjo que se aproximasse delas. Bastou um dia ele não estar presente e perdemos a pequena Grabriela. Correria para todo lado, perguntas e mais perguntas, reza, desespero e encontramos ela sentadinha no posto de bombeiros contando a sua peripécia.

       Não sei ainda onde essas nossas histórias se perderam, acho que a vida foi acontecendo, os caminhos foram se distanciando e nem nos demos conta. Alguns deles até foram embora sem se despedir e, de repente, percebemos que ficamos agora sozinhos, apenas nós dois.
       - “Que tal pedirmos mais uma ao garçom” – falei para ela.
       - “É cedo ainda, né? ” – ela respondeu curtindo as velhas recordações.


      

Sérgio Lordello

Comentários

jairinho disse…
E assim caminha a vida, tudo vai se renovando e ficando as lembranças de outrora.
Rita Fugagnolli Pegoraro disse…
Viajei junto com sua maravilhosa narrativa, Sérgio! Você tem o dom de juntar letras e me arrancar lágrimas.
MaRy disse…
Como histórias de vidas são parecidas. Estou chegando nesse ponto, mas, ao contrário de você, terei que arrastá-lo para esse reencontro com nós mesmos.

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