Ingenuidade pueril
Marcaram o
encontro no portão do bosque da cidade, apesar dos pais os terem levado às suas
escolas naquela manhã, ambos saíram escondidos pelo portão e rumaram para
cumprir o combinado. Muito jovens ainda, namoravam já há algum tempo, cumpriam
à risca as regras do namoro impostas pelas famílias: na rua até tal hora mesmo
que precisassem deixar o filme no meio; sempre com um dos irmãos por perto;
despedidas discretas e rápidas no portão.
- Por que não
nos casarmos então?
Foi o argumento dela para tentar salvar uma relação
especial de descobertas depois do “acidente” da noite anterior. Na verdade
estava mesmo para acontecer, era apenas uma questão de tempo. Os dois cada vez
mais apaixonados se completavam na maneira de enxergar o mundo, na forma de se
respeitarem, no carinho com que se dedicavam e daí os beijos foram ficando mais
ardentes, os abraços mais apertados, cada vez mais demorados e então, naquela
noite, que os pais dela demoraram em chamá-la, ele avançou o sinal, não
respeitou as regras que haviam acordado e ela só se apercebeu depois de certo
tempo de desfrute e mandou-o embora imediatamente.
Ambos desconheciam esse jogo, numa inocência curiosa,
adolescentes ainda, praticavam o que se lia nos romances de literatura da
escola, quanto daquelas ficções aos poucos se tornavam realidade na vida dos
dois. Mas estava impregnado nas mentes juvenis deles as regras muito claras do
jogo: o vestido branco; a primeira noite; a castidade dela. Ele mesmo já
cansara de ouvir dos amigos: “Pô cara,
você nunca sai conosco para uma noitada de farra”.
Na beira daquele lago, sentados num banco duro de
concreto, os dois jovens procuravam argumentos para se justificarem com o
intuito de continuarem juntos, tinham a dimensão exata do risco que correriam
desse envolvimento se tornar muito sério para eles que estavam procurando ainda
um caminho na vida, iniciando a busca por uma profissão. Sabiam agora que as
promessas feitas ali não seriam cumpridas, nada que prometessem um para o outro
conseguiria deter a curiosidade em se conhecerem aos poucos como homem e
mulher. O melhor seria cada um buscar o seu caminho. A maior prova deste amor
talvez fosse mesmo à separação.
Mas como conciliar a distância com a saudade cada vez
mais crescente? Como esquecer as juras trocadas no portão de entrada Como não
se lembrar dos carinhos, dos afagos, das lágrimas consoladas. Como sufocar a
curiosidade quase infantil pelo ser de outro sexo tão próximo, mas tão distante
ao mesmo tempo? Como harmonizar o desejo crescente na turbulenta adolescência com
as barreiras morais pregadas pelas famílias?
Um telefonema
solitário numa tarde de sábado apanhou-o de surpresa. Encontraram-se na casa
dela, os pais ausentes, primeiro mataram a saudade destes poucos dias de
ausência, depois confidenciaram a falta que cada um sentiu do outro e então,
num acordo selado na inocência de suas mentes ingênuas, de uma forma até
pueril, os dois foram aos poucos descobrindo as sutis diferenças no formato de
suas anatomias, as sensações que provocavam em cada corpo um toque mais atrevido,
um carinho mais ousado, a diminuição da timidez ao se exibirem um para o outro,
enfim conheceram-se até os limites em que as suas inexperiências e as
consciências permitiram.
Sérgio Lordello
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