Uma história dentro da outra
- Vô, você me leva na biblioteca para trocar de livro.
Recentemente ela havia me pedido para inscrevê-la na
Biblioteca Municipal dizendo-se interessada em cursar cinema na futura e ainda
longínqua faculdade e então precisaria ler muito para conhecer sobre os mais
diversos assuntos. Mostrou-me uma lista de indicações de publicações gravada no
seu celular, orientada pelos professores.
Lá, enquanto descobria os seus autores, aproveitei para
escolher um para mim na estante de cronistas brasileiros, remexendo nas obras
de muitos dos meus ídolos como Veríssimo, Lya Luft, Rubem Braga, Drummond,
Mário Prata, e outros mais. Deparei-me com “O Homem nu” de Fernando Sabino, que
lera na juventude, indicado pelo meu irmão mais velho Sillas. Foi um dos meus
favoritos, pois me fez interessar por toda a coleção do autor. Resolvi então
levá-lo para, quem sabe, durante a sua leitura encontrar-me com meu passado no
Trajano ou mesmo no Cotil.
Lá mesmo na biblioteca, ao folhear a primeira página, bem no
alto dela, estava o nome do Fábio, meu sobrinho, morando hoje, já há alguns
anos, em Boston e que havia doado o mesmo para aquela entidade. Mais uma página
virada e deparei-me com uma dedicatória bucólica e sincera de outro tio seu
(Dirceu), parabenizando-o pelo décimo nono aniversário com uma frase simbólica:
“A tua estrada da felicidade sempre partirá de ti para os outros e não dos
outros para ti”.
Durante a leitura do livro então, as minhas recordações
misturaram-se totalmente. De repente vinham à mente o Trajano; a quadrilha
dançada na sua quadra; as excursões que fizemos por lá com o Zé Antonio, a
Laura, o Paulo Jacaré, o Urso Bocaiuva e muitos mais. Outras vezes vinha à
imagem do Fábio, quando em férias na faculdade, lendo seus livros nas cadeiras
da piscina do clube ou então, ele criança ainda, brincando com os primos na
noite de Natal na casa da vó.
Quantas histórias reservam um livro. Não são apenas aquelas
que o autor quer nos transmitir, existem muitas outras que estão inseridas de
forma mágica nas suas páginas, muitas delas pertencentes a nós mesmos, os seus
leitores, talvez sonhando em interagir com aquele mundo de fantasias, deixando
testemunhos da nossa sensibilidade aos temas, outras vezes apenas inserindo
momentos pessoais para se integrarem no texto.
De repente, numa pagina central, meio escondido, meio em
segredo, o desenho discreto de um pequeno coração, o nome da primeira namorada
numa letra ainda juvenil e uma singela declaração de amor.
Sérgio Lordello
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