Doidas e santas





Marta Medeiros    
        
         “Estou no começo do meu desespero/ e só vejo dois caminhos/ ou viro doida ou santa”. São versos da Adélia Prado, retirados do poema “A serenata”. Narra a inquietude de uma mulher que imagina que mais cedo ou mais tarde um homem virá arrebatá-la, logo ela que está envelhecendo e está tomada pela indecisão – não sabe como receber um novo amor não dispondo mais de juventude. E encerra: “De que modo vou abrir a janela, se não for doida? Como a fecharei, se não for santa?”
         Como pode uma mulher buscar uma definição exata para si mesma estando em plena meia-idade, depois de já ter trilhado uma longa estrada onde encontrou alegrias e desilusões, e tendo ainda mais estrada pela frente? Se ela tiver coragem de passar por mais alegrias e desilusões – a gente sabe como as desilusões devastam – terá que ser meio doida. Se preferir se abster de emoções fortes e apaziguar o seu coração, então a santidade é a sua opção. Eu nem preciso dizer o que penso sobre isso, preciso?
         Mas vamos lá. Pra começo de conversa, não acredito que haja uma única mulher que seja santa. Os marmanjos devem estar com os cabelos em pé: como assim, e a minha mãe???
         Nem ela caríssimos, nem ela.
         Existe mulher cansada, que é outra coisa. Ela deu tanto azar em suas relações, que desanimou. Ela ficou tão sem dinheiro de uns tempos para cá, que deixou de ter vaidade. Ela perdeu tanto a fé em dias melhores, que passou a se contentar com dias medíocres. Guardou a sua loucura em alguma gaveta e nem lembra mais.
         Santa mesmo, só Nossa Senhora, mas, cá entre nós, não é uma doideira o modo como ela engravidou? (Não se escandalize, estou brin-can-do).
         Toda mulher é doida. Impossível não ser. A gente nasce com um dispositivo interno que nos informa desde cedo que, sem amor, a vida não vale a pena ser vivida, e dá-lhe usar o nosso poder de sedução para encontrar o “the big one”, aquele que será inteligente, másculo, se importará com nossos sentimentos e não nos deixará na mão jamais. Uma tarefa que dá para ocupar uma vida inteira, não é mesmo? Mas, além disso, temos que ser independentes, bonitas, ter filhos e fingir, às vezes, que somos santas, ajuizadas, responsáveis, e que nunca, mas nunca, pensaremos em jogar tudo para o alto e embarcar num navio pirata comandado pelo Johnny Deep, ou então virar uma cafetina, sei lá, diga aí uma fantasia secreta, sua imaginação deve ser melhor que a minha.
         Eu só conheço mulher louca. Pense em qualquer uma que você conhece e me diga se ela não tem ao menos três destas qualificações: exagerada, dramática, verborrágica, maníaca, fantasiosa, apaixonada, delirante. Pois então. Também é louca. E fascinante.
         Todas as mulheres estão dispostas a abrir a janela, não importa que idade tenham. Nossa insanidade tem nome: chama-se vontade de viver até a última gota. Só as cansadas é que se recusam a levantar da cadeira para ver quem está chamando lá fora. E santa, fica combinado, não existe. Uma mulher que só reze, que tenha desistido dos prazeres da inquietude, que não deseje mais nada? Você vai concordar comigo: só sendo louca de pedra.

Marta Medeiros
Colunista dos jornais Zero Hora e O Globo

Autora de mais de 13 livros

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