A grande nau brasileira
Lya
Luft - escritora
Colunista
da revista Veja
Estamos embarcados numa grande nau, num mar incerto,
assustados e inseguros. Passamos por períodos de aparente bonança, ventos
favoráveis, tripulação otimista, iludidos com palavras grandiosas, convocados a
consumir, consumir, como se consumo fosse crescimento. Inadimplentes,
desempregados, onerados de angustias, agora procuramos no convés algum
horizonte escondido.
O mundo irreal com que nos iludiam e conquistavam está se
desmantelando. Cai um pedaço do telhado aqui, um muro ali, paredes vão
rachando, abrem-se crateras no pátio, os quartos se confundem, e pior: os
habitantes usam mascaras de monstros, de bichos, palhaços malignos. A queda
dramática no consumo e o aumento assustador da inflação e do desemprego
desenham um quadro perverso.
Revelações quase diárias de corrupção em lugares impensáveis
nos assaltam e nos fazem imaginar, receosos, o que mais pode surgir do véu de
falso bem-estar em que vivíamos. Evidências de que o país foi mal gerido, mal
cuidado, se empilham em uma montanha assustadora, e uma dívida impagável pesa
sobre os nossos ombros, nós, que não a contraímos.
A realidade que se desnuda é desconcertante. Queríamos
continuar não vendo, como crianças que brincam de faz de conta. Faz de conta
que você é um general, que eu sou uma princesa, que o cachorrinho é um
unicórnio...
O real estava tão disfarçado que não o podíamos enxergar; ou
era tão preocupante que nem o queríamos ver.
Porém, é preciso olhar. Este país maltratado é nosso, nós
somos os seus donos – cada um de nós. Sendo uma democracia, somos todos
responsáveis, embora sem altos postos, cargos de comando, nem funções na
política. “O que temos aí não queremos mais”, começam a dizer e clamar por toda
parte.
Mas os que ocupam os mais altos cargos ainda querem nos
seduzir com um otimismo perverso, ou devaneios nada bons: “Estamos endividados.
Não há mais dinheiro em caixa. Por favor, senhores brasileiros, sejam patriotas
e compreensivos, e... paguem a conta”.
Os postos mais importantes foram dados a pessoas de um mesmo
partido, que se perpetua, certo de ser favorecido em todas as instâncias. Porém
aos poucos, com o choque da realidade, isso começa a mudar. Começa a aparecer,
implacável, a verdade. Numa democracia, entre pessoas honradas, todos merecem
conhecê-la, todos merecem – começo a detestar este termo agora eleito pelas
autoridades: “transparência”. Verdade é mesmo a palavra certa, e já é bastante
dura de assumir, agora que se mostra – porque não há mais como esconder
inteiramente.
Crédulos e desinformados, ou seguindo ideias anacrônicas, nós
é que colocamos em seus postos àqueles que ainda agora a tentam encobrir.
§
Este
texto faz parte do livro recém-lançado pela escritora e cronista Lya Lufti:
“Paisagem brasileira – dor e amor pelo meu país”, Editora Record
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