O Bolsonaro e a nossa turma
Lá
no bar do Toco existem algumas clausulas pétreas que devem ser cumpridas pelos
que lá freqüentam: bebida alcoólica, apenas cerveja; cigarro, nem pensar; furar
a fila, é fora de questão; colocar bancos lá fora, esqueça; e som ligado do
carro, jamais. Lá existem três tipos de fregueses: os que só vão buscar lanche;
os que comem lá e, finalmente, nós, que além de saciarmos a fome, bebemos
também nossa cervejinha. Aos dois primeiros grupos nós os chamamos de
“intrusos”, mas o proprietário não pensa assim e quer acabar com a nossa turma,
já fez muitas tentativas questionando-nos se não temos nada para fazer em casa
ou fazendo-nos esperar para servir a cerveja, mas nós não desistimos.
Quando
é verão ou outono, os que não são da nossa turma invadem o local, tomam conta
de todos os bancos e até das mesas. Deixe-me explicar direito: lá tem apenas
duas mesas, uma de cada lado do bar, nós priorizamos a que fica perto do
freezer e já achamos que é de nossa propriedade. Ninguém pode sentar nela, mas
nas épocas de calor, nossos concorrentes, em maior número, geralmente chegam
mais cedo e invadem o nosso espaço, não respeitam nossos “direitos adquiridos” e
tomam conta como se fossem deles.
Para
resolver o problema sem “causar muito tumulto” marcamos uma assembléia entre
nossa turma para definir uma estratégia. Lá estavam o Balanga, Gerinha, André,
Beck, Rigon, Tilico, Cabral, Mourão, Daniel, eu e após muita discussão alguém
sugeriu que a chamássemos de “mesa gay”, o que foi aprovado por unanimidade.
Então
a partir de tal batismo, sempre que chegamos ao bar e o local está
indisponível, anunciamos que a mesa “gay” está ocupada e já se nota um ar de
desconforto entre os presentes. Certo dia entrou uma família com inúmeros
filhos para lancharem e sentaram-se na primeira mesa, sobrando para o marido
apenas um lugar na “nossa”. O cara era um verdadeiro guarda-roupa, dois por
dois, voz grossa, forte e sentado tranquilamente em sua cadeira. Nisso, cheguei
ao bar, ninguém da turma por lá, o Toco abriu a cerveja e falou para que me
sentasse à mesa “gay”, pois havia um lugar junto ao cara. A mulher dele passou
a rir sem parar, os filhos acompanharam e ele, imediatamente, pediu licença e
arranjou um lugar na mesa da família já apertada.
Outro
dia, mesma cena, uma pessoa sentada comendo o lanche, eu cheguei e de posse da
minha cerveja anunciei que iria sentar-me à mesa “gay” e perguntei para ele se
havia algum problema no que ele respondeu: - “não, não tem, não sou
preconceituoso” – mas comeu o mais rapidamente possível e foi terminar o
refrigerante no balcão.
Hoje
os fregueses já estão acostumados com essa denominação e a maioria nem pensa
mais em sentar na “nossa” mesa lá no bar do Toco.
Sérgio Lordello
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