Confissões que só agora aposentado posso fazer



         Na minha classe do Cotil havia dois verdadeiros artistas no desenho técnico: o saudoso Massami Yendo (Fernandópolis) e o Agenor Corbini (Limeira). O restante, em sua maioria, eram alunos de Rio Claro, poucos de Limeira e outros de diversas cidades da região. Os dois eram extremamente competentes e compenetrados e seus trabalhos dignos de aplausos, não eram de muita brincadeira e levavam muito a sério seus afazeres. O primeiro, quando o assunto era trabalho do prof. Gracioli, não tinha conversa e não deixava nenhum de nós nem nos aproximar do mesmo.
         Para aprontar com ele, certa vez, nós, seus colegas, derrubamos um resto de nanquim sobre um papel vegetal e deixamos secar, depois recortamos o borrão e o levamos na escola. Semana de entrega, passávamos o dia todo sobre a prancheta, até que dito cujo foi comer um lanche na cantina, então alguém se aproximou da mesa dele, colocou a mancha bem no meio do desenho, o vidro de nanquim seco tombado e todos saímos para fazer companhia ao amigo. Na volta só escutamos um grito citando o nome da mãe de alguém, que eu não entendi direito, mas pela primeira vez na vida eu vi um japonês com os olhos totalmente abertos.
         Já nós de Limeira (Zé Antonio; Edson e eu) escolhemos o Corbini para compor a nossa equipe, garantia de um bom trabalho e de notas para sermos aprovados no último ano. Teríamos que desmontar uma máquina, projetar cada uma de suas peças e fazer o desenho da montagem da mesma. Um trabalho para seis meses, a ser entregue em dezembro. A tal da montagem era um desenho de um metro quadrado de tamanho, complexo e cheio de detalhes que deveria ser feito primeiro a lápis, no papel pardo e depois no vegetal a nanquim. “Espertos”, nós três pegamos o pardo do Corbini e reproduzimos no vegetal, cada um o seu e entregamos os nossos projetos ao Gracioli.
         Conhecedor do potencial técnico dos seus alunos aprovou com louvor o nosso artista e deixou o restante do grupo (nós) de exame, onde deveríamos entregar o “pardo” de cada um para ver se não havíamos copiado de alguém. Restou-nos produzir nossos próprios modelos e como o Edson estava retido em outras matérias, deixamos o original do Corbini com ele. Depois de uma semana em cima da prancheta, fomos os três entregar os trabalhos, rezando para que o professor não tivesse levado nossos nanquins, pois seria a reprovação na certa. Mas eles estavam lá –“eu e o Lemão estamos enrolados”- pensei.
         - “Vou apenas verificar se foram vocês mesmos que fizeram o pardo” – disse o prof. Gracioli, esticou o pardo do Edson (que na verdade era do Corbini), colocou o nanquim sobre o mesmo, conferiu e disse: -“Estão os três liberados, podem ir”
         A partir disto passei a dar acreditar às minhas preces.


Sérgio Lordello


Comentários

Anônimo disse…
Que bom que estas histórias um dia vem à tona! Um abraço!
Luiz Ricardo
Anônimo disse…
È o fim do desenho na prancheta?E muito legal ,hoje os recursos e os meios de informatica e o seus infinitos aplicativos.Mas sera que e certo esse cohecimento que hoje é passado se perder?

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