Tenha dó, gente
(www.pelauts.com)
Após
ter aguentado a vida toda docente os alunos, amigos, conhecidos, toda a turma
do Barzão ou do Bar do Toco e mais alguns esporádicos por aí afora sempre
perguntarem: “Você não trabalha, só dá aulas?”. Depois de 36 anos expelindo
cuspe e engolindo pó de giz, enfrentando aquela molecada do primeiro ano que
vem com todos os vícios possíveis trazidos das escolas anteriores e da péssima
educação dadas pelos pais de hoje em dia. Depois de tudo, finalmente, tomo
coragem, resolvo me aposentar e lá vem vocês querendo me arranjar serviço? Ora
essa!
Primeiro
a Bruna, minha filha, vem com uma conversinha cheia de dedos e melindres,
dentro do seu jeito delicado, propondo que eu abra um restaurante, mas só a
partir das noites de quinta, já que gosto de cozinhar, ficar todo fim de semana
instigando o pessoal do Facebook, outras vezes postando receitas no meu blog,
porque não fazê-lo? Ora compreendo a sua preocupação, mas minha primeira medida
será aposentar o relógio, talvez entregue-o para o primeiro que cruzar na rua,
depois eu adotarei o uso de chapéu e carregarei junto uma garrafinha squeeze
com água gelada, pois quero ficar o tempo todo na sombra e na água fresca.
Daí
há um exercito de pessoas, provavelmente nenhuma delas aposentada, talvez com
muitos anos de labuta pela frente, morrendo de inveja, que nos “alerta” sobre
os perigos da ociosidade, para não deixar de trabalhar, ficar atento aos sinais
da depressão, que certamente virão, não me esquecer de cuidar das condições
físicas, fazer exercícios, responder palavras-cruzadas para não perder a
memória. Quero dizer a estes que lá no rancho, onde espero passar grandes
temporadas (nos intervalos das viagens), após a morte do Joca, sobrou para nós
o corte da grama, poda de árvores, consertos rotineiros, já a depressão não
resistirá a uma boa pescaria no barranco do rio e, para a cabeça, já tenho a
companhia destas revistas e de livros. Além de tudo isto, estarei na happy-hour
com os ribeirinhos, pescadores para, quem sabe, descobrir material para mais um
livro.
Agora,
interessante mesmo, é a reação dos já aposentados que nos incentivam enumerando
todas as delícias que a aposentadoria proporciona, dizem, a partir de tal, que
a semana deles passou a contar apenas com seis sábados e um domingo. Na minha
semana, seguindo o exemplo deles, vou acrescentar algumas sextas-feiras, pois
não tem nada melhor que o chopinho da sexta.
Semana
passada, no primeiro dia após ter assinado o meu último ponto da vida, encontro
o amigo recente Beto “Hadich” (tal sua semelhança com o atual prefeito) que me
propôs ser voluntário no Juizado Especial Criminal (Jecrim) como conciliador
das ações. Quase que lhe respondi na bucha: “Termina aqui uma amizade que não
deveria nem ter começado”.
Sérgio Lordello
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