Por que razão?


         Eu me lembro de que era uma noite de sábado dos anos setenta, num baile de aniversário do Nosso Clube, na sede antiga ainda, que eu lhe pedi em namoro. Na verdade já estava de olho em você desde quando um amigo em comum nos apresentou e eu não resisti. No começo tudo era brincadeira, eu estudando fora, aparecia poucas vezes, mas com tempo as confidências, os segredos, as revelações e fomos ficando cada vez mais dependentes um do outro, até que estávamos diante do velho padre Rossi, na frente do qual selamos um compromisso: “até que a morte nos separe”.
         Muitas incertezas pela frente, mas fomos construindo os nossos caminhos. Com o pouco que tínhamos, com muita dificuldade fomos tentando nos consolidar em nossas profissões, ao mesmo tempo em que, três anos depois, nasceu a primeira filha, justo no dia em que o velho fusca resolveu quebrar a caminho da maternidade. Logo depois vimos aquele consorcio pago com tanto sacrifício para termos o nosso primeiro carro zero, transformar-se no alicerce de nossa futura casa. Então chegou a segunda filha e nossas preocupações se voltaram para os estudos delas e não foi fácil levá-las até a porta da escola e perceber que as estávamos entregando para que o mundo cuidasse delas e que não éramos mais os seus “donos”.
         Durante este tempo todo tivemos encontros e desencontros, alegrias e decepções, rosas e espinhos, sucessos e perdas, certezas e incertezas e de cada situação tentamos tirar as melhores lições, os melhores aprendizados. Talvez para extrair a essência do conhecimento para nos fazer companhia na velhice e sabermos cuidar dos netos com muito mais sapiência.
         Acho que só agora, quando completamos trinta e cinco anos de casados, que começo a entender por que duas pessoas escolhem dividir juntas o seu espaço, o seu tempo, a sua liberdade, a sua cama, a sua intimidade, os seus segredos, suas confidências, suas revelações. Por que as pessoas se casam? Ao assistir um filme descobri a resposta: por que elas precisam de uma testemunha para as suas vidas. Que importância tem as nossas vidas num mundo com tanta gente? Então foi por isso que num dia de setembro, lá atrás, nós juramos importar-nos com as coisas de cada um, as boas, as ruins, as terríveis, as excelentes, até as comuns, todos os dias. Nós dissemos um ao outro que as nossas vidas não iriam passar em branco, sem serem notadas, pois estaríamos lá para notar, seriamos as testemunhas de todas as coisas que cada um de nós faríamos ao longo de toda a nossa existência.
         Mesmo sem ter a noção exata no momento, coisa que só o tempo e as lições podem proporcionar. Acho que foi por esta razão que decidimos ficar juntos e acredito que tenhamos cumprido esse nosso papel com perfeição.


Sérgio Lordello


Comentários

A Moça. disse…
Lindo texto, Sérgio, como sempre! Um grande abraço.
=)

P.s.: Conta o nome do filme? Eu nunca ignoro uma boa recomendação!

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