Casadinhos de novo



         A conta foi fácil. Sentados, na mesa da casa da Olívia e do Herculano, de posse dos recibos de água, energia, alguma previsão do supermercado, farmácia, somando tudo e fazendo a devida proporção para um casal, a decisão foi tomada: “vamos nos casar”. Naquela época não eram os pais que pagavam as contas, no máximo uma ajuda no aluguel. Recém-formado, início de carreira, com escritório montado no mesmo espaço junto ao Jayme Cheque e Francisco Borges, com o sócio Newton de Castro, eu tinha uma receita variável. Já a Solange era vendedora de automóveis na antiga GM Battiston e tinha uma renda mais estável.
         Como todo casal, vivíamos com o caderninho na mão. Semanalmente filávamos alguma refeição nos nossos pais para equilibrar o orçamento, as verduras vinham da chácara do sogro, mas mesmo assim conseguimos comprar um velho fusca para os nossos deslocamentos. Por uma ironia do destino e mais por falta de opções, fui eleito presidente da Associação dos Engenheiros, mas confesso que tanto ela como eu, não tínhamos traquejo social, dificilmente participávamos de recepções e nossa intimidade com tais regras precisava ser mais bem ensaiada.
         Pois bem, reunião do CREA marcada lá no ABC, hospedaríamos no Holiday In, depois um jantar num clube, tudo por conta do Conselho. Convém lembrar que os conselheiros do CREA naquela época eram donos de construtoras ou escritórios famosos, diretores de estatais, todos já no fim de carreira, estáveis, ricos. Logo no inicio o nosso primeiro problema: como estacionar o nosso velho fusquinha no meio de todos aqueles carrões no estacionamento do hotel? Provavelmente seríamos convidados a deixá-lo no setor dos funcionários ou bem longe do local.
         No jantar, preocupados com toda aquela gente importante, escolhemos logo uma mesa lá no cantinho, vazia, onde estaríamos à vontade, mas não é que junto de nós sentou-se o presidente do CREA, vários conselheiros e respectivas esposas. O tema entre elas era sobre aquelas cozinheiras que se contratava para fazer grande quantidade de comida e depois congelar, assunto que ainda era novidade no Fantástico da época.
         Nervosa, a minha esposa começou a passar mal, desmaiou na mesa e a musica parou. Logo, aproximou-se o Madeira, um dos conselheiros, alto e forte, carregou-a no colo e nos levou a uma clinica de um amigo. Chegamos lá, era um local com muito concreto aparente, vidros temperados por todo o lado, requintado, com muitos recursos. Dai em diante quem começou a passar mal fui eu pensando em como pagar aquela conta, já me imaginava propondo a entrega da chave do velho fusquinha ao doutor para quitá-la. Logo o médico chamou-me, tudo bem com ela, então, tremendo e suando frio, questionei-o sobre os seus honorários e ele foi curto e grosso: “aqui, amigo do Madeira não paga nada”. Peguei a Solange, subi no “possante” correndo e acelerei, só para não dar um beijo no doutor.


Sérgio Lordello

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