Carinho negado
Primeiro
minha mãe servia o meu pai, depois a cada um dos filhos numa sequência
rotineira, não necessariamente por idade ou sexo, para finalmente ela fazer o
seu próprio prato. Todas as refeições e, principalmente ao jantar, a presença
era obrigatória e só se iniciava após a chegada de papai, mas antes já deveríamos
estar de banho tomado, vestidos, calçados e de cabelo penteado. Fico imaginando
o trabalho dela com os quatro moleques e as duas meninas, para deixar-nos todos
em ordem.
Não
sei como ela conseguia dar conta de tudo. As tarefas eram muitas: cuidar da
roupa daquele bando, aprontar as refeições, limpeza da casa, ajudar nos nossos
deveres escolares, separar as brigas, por algum de castigo. Até teve algumas
ajudantes como as Marias, as Vandas, além dos fiéis fornecedores que passavam
na rua, com seus veículos puxados a cavalos como o padeiro da tarde, o
verdureiro da manhã, o leiteiro da madrugada. Mas os alimentos não se
encontravam nas prateleiras dos supermercados, o frango era vendido vivo, a
manteiga se fazia da nata do leite puro de vaca. Além de tudo isso
alfabetizava, com zelo, seus alunos do Grupo Leovegildo.
A
disputa pelo carinho do seu colo era intensa, mas me privilegiava por ser um
dos caçulas, bastava alguma manha e já vencia a disputa ouvindo sempre –“não vê
que ele é pequenininho ainda?”-, quando alguém adoecia então não havia para
mais ninguém: chá com bolachas, suco de frutas batido na hora, um cafuné na
cabeça, um pedido da comida que mais gostava.
O
importante era ter a sua atenção disponível, repartida não importa, para poder
contar as coisas alegres e as tristes também, dividir com ela as conquistas, os
sonhos em conversas intermináveis. Quantos conselhos, ensinamentos, reprimendas
quando necessárias, castigos quando merecidos. Mas aos poucos, ela foi
conseguindo deixar as marcas de uma verdadeira família impressas no nosso
caráter, dando um formato padronizado nas nossas ações, comportamentos,
decisões e na maneira de agir de todos os seus filhos.
Nesse
mundo atribulado de hoje, onde o que interessa é o aqui e o agora, com exemplos
cotidianos na mídia, onde um filho atende um projeto momentâneo de vida de um
casal, depois resta apenas satisfazer as necessidades materiais do mesmo,
muitas vezes quando possível. Fico pensando nas conversas com alguns alunos
meus, de forma sempre crescente, sobre os desencontros dos pais, dos
alternativos e inconstantes membros de suas novas famílias e imagino quando
poderão fazer uma manha e pedir:
- “Mãe eu só
quero um colo e sentir o seu calor”
Sérgio Lordello
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