Coisas que só lá acontecem




         As histórias lá são muitas, algumas especiais e outras que poucos vão acreditar. É uma comunidade essencialmente democrática onde se misturam todas as classes sociais, desde empresários, aposentados, sitiantes e ribeirinhos. Beira do rio, sua propriedade é localizada pela proximidade a algum boteco, ou pelo apelido que os de lá lhe atribuem. A nossa (minha e dos sócios) podem perguntar pelo “rancho do professor” ou do “João Mijão”, isto por uma noite mais eufórica a base de uma cervejada exagerada do dito cujo.
         Depois de 15 anos por lá, hoje conhecemos e somos conhecidos por grande parte daquela comunidade. Nossas famílias e amigos não perdem as festas na igreja local, nem os vários eventos promovidos pelos bares da proximidade. Lá as pessoas deixam para trás o jeito formal da cidade e, já na maneira de se vestirem, transformam-se em outros personagens que os próprios familiares muitas vezes desconhecem. O introvertido vira mestre de cerimonias, o brincalhão chega a chorar por uma música saudosa, o calado desanda a contar causos e mais causos e por aí afora.
         No ultimo carnaval, por exemplo, a turma do Vandir, aquela que frequenta o bar do Mazinho (Santista), aquele antigo no meio da Av. Maria Buzolin, com todos os familiares juntos, desembarcaram na Cascata prontos para os dias de folia. Não é que levaram também para os festejos de Momo a Ludmila, uma boneca inflável, fantasiada de odalisca, peruca longa de cabelos pretos, óculos escuros e que sempre ia com eles no bar do Romualdo, o lugar da folia por aqueles lados. Sábado à noite, eu voltando para o rancho, encontro o Kilão, solitário, abraçado à mesma, dançando no meio da rua aquelas marchinhas de carnaval, como nos velhos tempos, como se estivesse bailando no salão do Nosso Clube com a primeira namorada.
         Todos se transformam pela magia do lugar. Outra vez, toda a nossa turma desceu do rancho, em alguns carros, para um local onde haveria um “porco no rolete”,. O Flávio, Paulo, Pena, Joca, Zacharias, Celso, eu e muitos mais, participamos da festa, que se prolongou pela tarde toda. Aos poucos um volta para o rancho, outro também, mais um e, de repente, percebi que todos já tinham se despedido deixando-me lá sem carona. Longa caminhada pela frente. Tratei logo de garantir o meu retorno nos vizinhos próximos e fui procurar justo no rancho do Vandir, motivo para mais uma festa, com muita cerveja e música. A minha turma, ao notar a minha ausência, fez várias tentativas de me resgatar, mas ninguém sabia mais onde eu estava. Anoitecendo, meus novos amigos foram me devolver, na carroceria de um caminhão, com todo o Cordão do Bola Preta em cima, cantando e tocando as mais variadas músicas.
         No outro dia, envergonhado, escutei das beatas na missa de domingo da nossa igrejinha: “Pois é, falaram que até o “professor” estava em cima do caminhão, mesmo com toda aquela cara de homem sério”.



Sérgio Lordello

Comentários

Anônimo disse…
Quem diria em Sergião, esse circunspecto professor e pai de família....

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