Um cara persistente

(globoesporte)

         Desde a sua infância ele era diferente dos demais irmãos, o único que fazia questão de passar ele próprio suas calças para marcar o vinco e assim ir à sessão das cinco. Semanalmente engraxava seus sapatos, lustrava-os e deixava-os impecáveis para o passeio. Quando queria alguma roupa nova e o orçamento doméstico para a criação de seis filhos não permitia que nossa mãe o atendesse, ele ficava sentado horas e dias na bancada da cozinha resmungando, choramingando de seu triste destino de ser apenas herdeiro das roupas apertadas dos irmãos mais velhos.
         No esporte nunca foi de tirar suspiros das namoradas, geralmente apenas completava os times seja de futebol, basquete ou mesmo natação, apesar de se orgulhar em dizer que teve como técnico, na escolinha do Nosso Clube, o espetacular Vlamir Marques. Primeiro os estudos e depois a dedicação, quase espartana, à vida profissional fizeram com que ele abandonasse totalmente os esportes.
         Muitos anos mais tarde, por ordem médica, precisou voltar a se movimentar e escolheu o basquete como opção. Começou a bater bola com uma turma de atletas mais jovens do que ele nas quadras do clube. Iam todas as terças, sábados e domingos lá disputar um racha, vinte e um, garrafão e etc. Mas o desnível técnico para eles era muito grande, pois todos eles foram um dia da seleção da cidade, dos times dos clubes, além de serem mais jovens. Mas ele não se importou, sempre chegava bem mais cedo para treinar arremessos. Já nos dias chuvosos ia para ginásio coberto treinar sozinho, foram anos de intensa dedicação.
         Como nos treinos seu índice de acertos melhorava a cada dia, começou a ganhar autoconfiança e já se imaginava escalando sua equipe, fazendo sombra para os jogadores da Winner. Até que, certa vez, recebeu convite do Paulão, Buck, Jairinho, Bela, Itamar, Motô, Davis, Jessé e Carlão para jogar com eles num torneio em Ribeirão Preto. Peito estufado comunicou à esposa e filhos que não estaria em casa no próximo fim de semana, pois fora convocado para representar o clube. Só lá descobriu que no torneio de veteranos, naquela categoria, era necessário pelo menos um cinquentão na equipe e não havia outro além dele.
         Todo final de ano eles fazem uma confraternização lá no clube mesmo. Três anos atrás conseguiram, com a cumplicidade de sua esposa Ia, a camiseta dele, rota já de tanto uso, colocaram-na numa moldura e no meio da festa, com a presença do presidente, anunciaram o fim de sua carreira com pompa e circunstância e lhe fizeram a entrega de uma carta de agradecimentos. Não adiantou nada e então agora, todos os anos, eles fazem sua despedida.
         Mas, invariavelmente, nas terças, sábados e domingos lá vai o Paulo Marcelo disputar um racha, vinte e um, garrafão e quando chove fica treinando, sozinho, no ginásio.


Sérgio Lordello

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