Um encontro com o passado


         “- Nenê, não deixe a bola de capotão cair na casa da dona Fifi, pois senão vamos ter que pular a cerca e enfrentar o cachorro para não ficar sem ela. Você sabe que, se ela pegar antes, vai furá-la”.
         Esta frase, intensamente repetida na infância, veio a minha mente quando um dos irmãos lembrou-se da família do Sr. Nico Gaiotto, que morava bem em frente ao nosso sobrado e tinha um depósito de bebidas e os filhos Cida, Nenê e Maria Luíza  ao fazermos a lista de conhecidos daquela época para distribuirmos o livro do Sillas sobre o nosso pai que faria cem anos no final do ano.
         O livro tem uma série de crônicas e contos do papai publicados na imprensa da cidade sobre suas aventuras e “casos” quando perambulou pelas escolas desse interior todo como professor, diretor e inspetor escolar. Além do pessoal ligado à educação, tínhamos os parentes, os conhecidos, os vizinhos para lembrar os nomes e garimpar arduamente seus endereços atuais. Mas daquela família ninguém tinha mais noticias além da mudança deles para Rio Claro há muitos anos atrás e então resolvemos abandonar a ideia de entregar-lhes.
         E a cada encontro era um retorno ao passado, cada um lembrava-se de algum episódio da infância longínqua, ou uma passagem profissional com os alunos, ou ainda nas rodas de amigos que ele frequentava. Como o Pena, que recordava assistir TV em casa, uma das únicas da redondeza, ao programa “Pullman Junior” com o Capitão América e outros heróis, até a hora que nosso pai chegasse, pois todos tinham receio de sua fama de bravo.
         Com os Alvarenga, nossos primos diretos, onde íamos nadar,  quando crianças na piscina que tinham na chácara deles na Barroca Funda, no fim da cidade, foi comovente. O meu irmão Paulo Marcelo foi entregar ao Paulo Cesar um volume na sua loja e praticamente não conseguiram dizer nenhuma palavra, a emoção foi muito maior. Já o Orlandinho, ao lado de sua bengala que hoje é obrigado a usar, ligou-me dois dias depois de receber o livro e contou-me, feliz, de passagens dos nossos velhos naquela época. E a dona Olga Assumpção então, que simpatia, mostrou-me emocionada uma série de atas elaboradas pelo papai, que ela guarda até hoje, quando de suas visitas na escola rural em que ela lecionava.
         Sábado agora, comendo um lanche no Bar do Toco, conversando com conhecidos que lá frequentam e falando do livro, um deles, o jovem Fernando, mencionou que sua mãe gostaria muito de receber um volume. Tentei disfarçar, pois não sabia quem era sua mãe, então ele disse:
         - Ela é a Cida, irmã do Nenê e da Maria Luíza e filha do Sr. Nico que tinha um depósito de bebidas em frente de sua casa.
         Então, com esmero, caprichei na dedicatória!

Sérgio Lordello




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