Como um conto de Natal
Acho que elas nem se conheceram, mas
tiveram muitas coisas em comum. Uma delas foi o número de filhos: seis. Outra
foi manter todos eles unidos em torno de cada uma das famílias, cultivando
valores como amizade, respeito, honestidade, ética e cidadania. Os problemas
devem ter sido os mesmos também, como um orçamento parco para administrar,
fazer todos eles estudarem, cuidar daquela imensidão de roupas para lavar e
passar, intervir nas brigas e rusgas da molecada.
Ambas faleceram no mesmo ano e pelo
lado da dona Sylvia, o meu irmão tomou para si a missão que foi dela por mais
de trinta anos de reunir os irmãos todos os sábados para um bate-papo. Hoje,
chova ou faça sol, todos chegam a casa dele para reverenciar a família, falar
mal do Corinthians, criticar os políticos ou brincar um com o outro.
Já a dona Alzira, mesmo quando os
filhos seguiram os seus rumos, sempre manteve a porta da rua aberta, um café
quente no fogão, um pão caseiro e uma manteiga fresquinha na mesa. Depois que
ela se foi, a família reunida decidiu não se desfazer da casa, mantê-la do
mesmo jeito e sempre alguém chega por lá, coa um café, leva um pão, deixa uma
água fresquinha na geladeira, renova os frios, põe uma cerveja para gelar. Quem
da família estiver passeando por perto da Vila São João, sendo filho, neto,
vizinho ou mesmo conhecido, pode entrar e se servir. Aos sábados à tarde é
hábito deles sempre passarem por lá, pois pode haver um bolo de aniversário de
alguém ou uma conversa para reverenciar a família, falar mal do São Paulo,
criticar os políticos ou brincar um com o outro.
Na próxima noite
de Natal elas tem certeza que seus filhos estarão reunidos, possivelmente em lugares
diferentes, com os seus, mas as duas nem farão conta porque sabem do legado que
deixaram por terem plantado a semente, regado a muda, podado os galhos
rebeldes, cuidado com todo amor e carinho e verem suas famílias como árvores
hoje frondosas em que se transformaram, com flores e frutos, proporcionando
sombra fresca e acolhedora para quem delas se aproximarem.
Já na semana que vem, elas sabem, estarão todos de volta. A família Duarte na casa do Celso e a família Peruzza
na casa da dona Alzira, como se as matriarcas estivessem por lá fazendo
companhia e ainda dando conselhos. A sabedoria delas fez com que as suas respectivas
famílias transcendessem gerações.
Sérgio
Lordello
Professor
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