O sonho de Ícaro
(dricabaiana.blogspot.com)
Acho que era intriga dos meus irmãos, mas eles sempre
disseram que quando eu era ainda bebê subia sempre em cadeiras, móveis e caia,
batendo a cabeça. Talvez por isto crescesse com verdadeiro horror a altura. Por
conta disto, por exemplo, desde quando o Nosso Clube inaugurou a piscina, nunca
passei do primeiro trampolim. Nas brincadeiras em árvores sempre o galho mais
baixo era o meu preferido e subir em telhados era uma opção inexistente para
mim. Avião então, nem pensar.
Mas quis o destino que meu irmão mais velho fosse trabalhar
no aeroporto de Viracopos numa função administrativa, mas para os meus amigos
era ele quem liberava os voos, montava as escalas e praticamente “mandava” em
tudo. Panair, Panam, Vasp eram nomes que vivia no meu cotidiano, assim como
DC-10, Constellation, Boeing 707, Electra e outros. Algumas vezes ele trazia o
que hoje chamamos folder de companhias e suas aeronaves e eu mostrava
satisfeito para a turminha da rua.
Mas o medo de andar em avião só fazia aumentar. Certa vez,
já formado, o Carlos Leite quis me levar de avião para Pouso Alegre para
resolvermos um problema de pavimentação. Saí muito tempo antes, de automóvel, e
fiquei esperando por ele lá. Não tinha jeito, nem amarrado subiria num avião.
No entanto chega uma hora que a gente tem que enfrentar os
seus medos. A oportunidade apareceu quando meus alunos me convidaram para ir
com eles para Porto Seguro, iriam de ônibus e eu falei que iria, mas de avião.
Anunciei quando ainda faltavam dois meses, daria tempo de me preparar. Seis
deles perguntaram se poderiam ir juntos, pois seria o primeiro voo deles,
lógico que concordei e os estimulei, dizendo ser muito seguro.
Naquela semana fui até Congonhas e fiquei um tempo grande
vendo pousos e decolagens só para me acalmar. No dia, acompanhei meus pupilos
no check-in, na sala de espera, embarcamos e, como responsável pelos mesmos,
cedi meu lugar na janelinha. Na hora da decolagem lancei mão do Estadão e não
desgrudei os olhos. Eles fazendo a maior festa, descobrindo as paisagens aéreas
da cidade, até que um perguntou-me:
- Professor, que estádio é aquele lá embaixo?
Dei uma olhada rápida de no máximo cinco segundos, falei que
era o Morumbi (?) e fechei os olhos para continuar rezando.
Sérgio Lordello
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