Homem não presta...
(acessototalrevista.org)
A licença prêmio que consta na carreira de todo funcionário público funciona da seguinte forma: depois de cinco anos trabalhando sem faltar, temos direito a um descanso de noventa dias. Nunca fui muito favorável a tal recompensa, mas como o prazo para usufruir uma delas estava prestes a vencer, resolvi tirá-la, já como um primeiro ensaio da futura aposentadoria que breve chegaria.
Planos, roteiros, passagens, custo, roupas, tudo programado, agendado, confirmado, acertado, como todo engenheiro (que sou) deve planejar. Mas esqueci de um detalhe fundamental: minha esposa é empresaria e principalmente “mulher”, portanto não tem direito a licença prêmio, quando muito a uma “licença castigo” com todos os impostos que tem que recolher. Mas o mais difícil para ela era escutar das amigas e clientes: “Como? Você vai deixá-lo ir sozinho?”
Então para mostrar-lhe a singeleza das minhas intenções, levei-a junto logo na primeira etapa: uma colônia de férias da categoria numa pequena cidade litorânea paulista. Mês de abril, com os primeiros sinais do inverno que se aproximava, chegamos para nos hospedar. Prédio de três andares, elevador quebrado. O quarto era daqueles que cabia a família toda, sem aparelho de TV, cama de casal, dois beliches e para enfrentar a possível noite fria, cobertores na cor “cinza asilo”. Descansamos um pouco, descemos para o jantar e foi então que percebemos que éramos dois brotinhos entre toda a turma de hospedes.
O restaurante era simpático, todo envidraçado, mesas para duas pessoas, cobertas com aquele oleado vermelho sob uma toalha xadrez de tecido, colocada na diagonal de tal forma que ao tomar a refeição os meus antebraços ficavam sobre o plástico e a qualquer movimento eles insistiam em grudar no mesmo. No cardápio do jantar um item era obrigatório: a sopa. Mas havia também outros pratos, lógico, com pouco sal e nenhuma pimenta.
Após o jantar saímos para conhecer a cidade à noite, que se resumia, por ser baixa temporada (eu diria baixíssima), em três quadras à direita e três à esquerda da colônia, uma praça muito simpática, alguns botecos e uma pizzaria aberta. Aproveitamos para nos abastecermos com revistas e palavras cruzadas para preencher o nosso tempo, caso chateássemos de assistir TV na sala da colônia.
Na verdade aproveitamos também para rever as praias da região, depois de muitos anos sem aparecer por lá. Recordamos dos tempos de namoro, quando fomos certa vez com a família. Enfim, divertimo-nos bastante e passamos dias gostosos, apesar da rigidez britânica dos horários das refeições.
Retornamos para casa e uma semana depois pedi a ela que fizesse novamente as malas, pois iríamos agora para a região serrana, num lugar lindo. Ela apenas questionou se era na colônia da mesma entidade e, com minha afirmativa, disse:
- Sabe, benzinho, você não ficará chateado se eu não for? Tenho muitas coisas para fazer por aqui.
Mas eu juro, com os pés juntos, que não foi premeditada a primeira viagem.
Sergio Lordello
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