O dia para acreditar

Foi um espetáculo no seu sentido maior. Assistir ao resgate dos mineiros chilenos no deserto do Atacama, no mês passado foi um momento único na vida de todos nós. Coragem, fé, ousadia, precisão, civismo, amor à pátria, difícil escolher a palavra certa para definir tamanha emoção. Aquelas cenas me remeteram a um passado um pouco distante: ultimo ano da faculdade; Projeto Rondon; Flores do Piauí.
Depois de mais de quarenta horas num ônibus sacolejante, calor insuportável de janeiro, a equipe chegou à cidadezinha, onde passaríamos os próximos trinta dias. Animados ainda pelas novidades e ansiosos para conhecer o local onde desempenharíamos nossas funções, começamos descobrir o reverso do Eden. Uma população urbana inferior a mil habitantes, sem distribuição de água, sem coleta de lixo e esgoto, somente com energia elétrica. Em apenas três residências havia banheiro completo, algumas poucas tinham fossa negra e nas demais só bananeiras no fundo do quintal. Nós nos tornamos craques em ficar de cócoras.
Água para beber, cozinhar e outras necessidades era tirada de uma lagoa na parte baixa da cidade, a qual foi eleita para ser a nossa sala de banho. Lá descobrimos a arte de dormir em redes, pois não havia camas e também aprendemos que água limpa, incolor, era fruto de coleta da chuva que eventualmente escorria pelo telhado, as demais eram oriundas da lagoa e colocadas em jarros de barro. Passado o susto inicial, conseguimos uma grande empatia com a população local e pudemos desenvolver os nossos projetos como noções de higiene, construções de fossas, quadra de vôlei de areia, atendimento médico e odontológico, entre outros. Até um parto auxiliei o médico e a enfermeira a fazerem.
Depois de concluir a nossa missão, na volta, a saída foi marcada por cenas de muita emoção. Todo o povo foi despedir-se de nós com os olhos marejados. Foi um aprendizado em mão dupla, onde vivenciamos as condições sub-humanas a que estavam condenadas àquela gente, sem ajuda de qualquer governo.
Retornando à Limeira, subi a pé da rodoviária, peito inflado de orgulho, símbolo do Rondon na camiseta rala, mochila de lona verde as costas e na mente a certeza do dever cumprido. Casa vazia, família na praia. Seus cômodos grandes, tudo arrumado, cozinha limpinha. Entrei no banheiro, fiquei por mais de cinco minutos apertando a válvula hidra e escutando como era divino o som de uma descarga. Uma verdadeira sinfonia!!!
De repente o telefone tocou, era a namorada. Até tentei conversar, mas as lágrimas e um choro convulsivo não permitiram. Parece que naquele momento descobri como fora, até então, restrita e egoísta a visão que tinha do meu país.

Comentários

Anônimo disse…
Sérgio,

Valeu, querido irmão!! O blog está excelente!

Celso e Mirtes
comentários disse…
Sérgio
O blog está lindo!
Este artigo eu adorei! Gosto de todos, mas este eu gostei de modo especial.
Achei muito significativo.
um abraço
Eliane

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